terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Millenium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres

The Girl with the Dragon Tattoo
(EUA/Suécia, 2011) De David Fincher. Com Daniel Craig, Rooney Mara, Christopher Plummer, Stellan Skarsgard, Joely Richardson e Robin Wright.

Não surpreende que a versão Americana para o primeiro livro da trilogia Millenium, escrita por Stieg Larsson, tenha ido parar nas mãos de David Fincher. Parece que foram feitos um para o outro. O suspense e o clima de investigação estiveram presentes em outros exemplares da filmografia do cineasta como “Seven – Os Sete Crimes Capitais” e “Zodíaco”. A mesma aura é transportada para outros longas como “Clube da Luta” e até “A Rede Social”. Já adianto que não li o livro e não assisti à adaptação sueca, mas não sei se precisarei. “Millenium – Os Homens que Não Amavam as Mulheres” é surpreendente e não deixa a peteca cair nem um instante. Os méritos, além do diretor, também vão para o roteiro tratado por Steve Zailian, a fotografia de Jeff Cronenweth e a atuação mais do que brilhante de Rooney Mara, que fez com que Lisbeth Salander entrasse de vez para o rol dos personagens mais marcantes do cinema*.

O jornalista Mikael Blomkvist é contratado para investigar o desaparecimento de uma menina há mais de 30 anos, após uma reunião de família. Suspeitos não faltam, todos membros da mesma família. Mikael se vê tentado a investigar porque a sua recompensa seria a recuperação da Millenium, a revista onde trabalha e que está perdendo credibilidade e lucro, após uma matéria desastrosa, escrita pelo próprio Mikael. No meio do caminho, o jornalista irá cruzar o caminho de Lisbeth Salander, uma moça de visual gótico, órfã, considerada mentalmente instável e que está sob a tutela do estado. Porém, Lisbeth é uma hacker de mão cheia e irá se juntar a Mikael para desvendar o mistério que se torna cada vez mais sombrio à medida que eles vão descobrindo novas informações.

“Os Homens que Não Amavam as Mulheres” prende a atenção desde o início da projeção, com os créditos iniciais estilizados. O roteiro ágil permite ao espectador não perder nenhum detalhe (e olha que são muitos, 158 minutos!) tanto da investigação como da conturbada vida de Lisbeth, interpretada com maestria por Rooney Mara. A atriz entrega uma personagem que vai além das expectativas, claro, fruto da mente de Stieg Larsson, mas com uma personalidade e qualidades que são méritos dela. Mara se despe de qualquer pudor e não se incomoda em chocar com a sua personagem, agindo de forma muito natural em frente às câmeras.
O protagonista Daniel Craig e todo o elenco merecem destaque, porque todos conseguem atuar com um sotaque sueco – não sei como é o sotaque de um sueco falando inglês, mas acredito que seja muito parecido com o que é visto na tela, ou é isso que eles conseguem nos fazer acreditar e isso é o mais importante. A trilha sonora da dupla Trent Reznor e Atticus Ross, a mesma vencedora do Oscar por “A Rede Social”, faz toda a diferença e pontua com precisão os momentos de suspense.


David Fincher mais uma vez ousa com uma direção sem medo de chocar a plateia, embora saiba ser comedido em cada sequência talvez mais explícita. O filme caminha muito bem até o momento pós-clímax, no qual um desfecho meio mirabolante perde o ritmo e se torna um pouco enfadonho, mas nada que comprometa o resultado final. Stieg Larsson morreu logo após a publicação do terceiro volume da trilogia Millenium (que certamente irá inteira para as telas por mãos americanas, sem dúvida) e infelizmente não pôde ver o sucesso que sua obra adaptada tem feito, tanto com a cópia sueca quanto com a americana. Porém, manter o espírito presente nos livros é a melhor maneira de homenagear o autor.
Nota: 9,5


*Vale lembrar que Noomi Rapace, a Lisbeth Salander da trilogia sueca, já havia conseguido amplo reconhecimento pelo papel, tanto que chegou a ser considerada para a versão americana. No entanto, este que vos fala não assistiu a essa versão e entende que o filme americano tem um alcance muito maior (triste, mas é verdade).
**Indicado a cinco Oscars: Melhor Atriz (Rooney Mara), Fotografia, Mixagem de Som, Edição de Som e Montagem.

Um comentário:

Cristiano Contreiras disse...

É impressionante como David Fincher sabe interagir com o espectador apenas pelo modo denso que expõe a natureza mórbida humana. Não existe, talvez, cineasta melhor que ele para providenciar reflexões tão extremas diante de elementos habitualmente cruéis.

Fincher é mestre em conceber exercícios cinematográficos que exploram o lado mais obscuro da manifestação psicótica. SEVEN, VIDAS EM JOGO, CLUBE DA LUTA e ZODÍACO são filmes que percorreram, cada um à sua maneira, o terror-consciente de indivíduos martirizados, psicopatas indispostos e toda teia lasciva deste universo macabro gótico tão providencial em sua carreira. Aqui temos o mesmo exercício psicológico de tensão auxiliado por um roteiro que adapta muito bem o livro de de Stieg Larsson, Marcos.

É um filme dark, bem soturno mesmo, daqueles intimistas que exterioriza o caos do suspense, o drama conturbado e a presença de uma direção que privilegia personagens tridimensionais. E para aqueles que tinham dúvida, Fincher prova que sabe, ainda, ser surpreendente em uma temática já exercitada nos solos hollywoodianos. Aqui ganha-se forma o texto ardiloso de Larsson, mantendo-se, primordialmente, toda sua essência. E o atrativo maior vai da bela química física-interpretativa-emocional dos astros Daniel Craig e Rooney Mara — esta inova na composição, conferindo o mesmo porte introspectivo e visual exótico da personagem literária. A atriz mereceu a indicação ao Oscar por conta de uma composição, ainda que sutil, bem delineada. Há momentos onde Mara facilmente dialoga com o público, nos momentos onde Lisbeth Salander atua com personalidade ou emoção diante de atos cruéis que o roteiro insiste em expor.

As pessoas só comentam sobre ela e traça comparações com a atriz do filme sueco. Noomi Rapace é uma bela atriz, ainda mais que sabe mesmo se concentrar e se dedicar aos seus trabalhos. Eu gosto dela no filme, mas verdade seja dita: ela não incorpora Lisbeth Salander como o livro o faz. A personagem era muito mais sombria, densa e introspectiva - era isso um dos pontos que mais me incomodavam no filme sueco. Mas não era culpa da atriz e sim da maneira como o filme foi concebido e tal, problema de roteiro, ao meu ver. E isso é muito mais solicionado no filme do Fincher, finalmente. Rooney Mara assombra, repare em cenas onde ela apenas dialoga com o público com seu olhar estranho e misterioso. Gosto muito da caracterização dela como Lisbeth, me pegou muito mais de jeito, na verdade o filme todo americano é muito mais visceral e instigante. Em diversos aspectos...

Engana-se que, por ser um remake (termo nem correto, já que o filme americano é uma adaptação direta do livro, ainda que com personalidade própria), a fita não tenha própria força. A ultraviolência, a evidência do suspense gradual e o esqueleto narrativo são elementos do diretor. Há cenas muito densas e fortes aqui, difíceis de degustar, isso é bem típico do universo Fincher de "causar" e mexer com quem absorve suas tramas. Sentimos, totalmente, a mão do diretor em cada sequência, em certos momentos, na maneira como sua câmera torna-se perspicaz de seus personagens — estes sempre dúbios, um tanto misteriosos, assim como o ser humano muito bem é. Decerto, verdade seja dita, a trilha de Trent Reznor & Atticus Ross é capaz de dimensionar melhor momentos de sufoco, de malícia e torpor. O suspense é muito bem estruturado por conta de uma instrumentização inteligente, moderna e que atinge o espectador por conta da sonoridade que ocasiona sensações de medo, agonia e pânico. Filmaço!