segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Feliz Aniversário - O Balão Vermelho


05 de outubro de 2009
História portuguesa escrita por Ilona Bastos.


Era uma vez um Balão Vermelho. Era redondo, de borracha e pequeno.
Um belo dia, o Balão Vermelho foi embalado, juntamente com noventa e nove irmãos de todas as cores, numa caixa de cartão canelado. E, assim acomodados, os cem balões foram parar à loja da esquina, uma pequena tabacaria pertencente à Dona Celeste.

Certa tarde, aproximando-se o aniversário do Francisco, os pais decidiram fazer-lhe uma grande festa. Com antecedência, planearam todos os detalhes, não esquecendo as guloseimas, os chapéus em forma de cone com desenhos divertidos, as estridentes cornetas, cornetins e familiares e, naturalmente, os balões.

Na loja da Dona Celeste encontraram, maravilhados, a caixa dos cem balões. Eram balões de todas as cores: amarelos como o sol; rosados como pétalas de flores; verdes como a relva pela manhã; azuis como o céu e o mar; vermelhos como as papoilas do campo...

Escolhendo um e outro, pegando neste e naquele, o pai e a mãe do Francisco reuniram, satisfeitos, um bouquet de vinte balões. E - já todos adivinhámos, não é verdade? - entre os balões comprados para a festa do Francisco encontrava-se o nosso amigo Balão Vermelho.
Para ele, sair da caixa de cartão canelado foi uma revelação. Quanto espaço, quanto ar!
- Sou livre! - pensou, cheio de felicidade.
Deixada a loja, o Balão, impaciente, não se continha, e, espreitando pela dobra mal colada do pacote de papel, debruçava-se para o empedrado da calçada. Com rapidez - a velocidade dos passos enérgicos do pai do Francisco - ultrapassava as vitrines de uma capelista, repletas de botões, tecidos e linhas de diferentes tons e texturas. De seguida, deslumbrava-se com o colorido fresco dos legumes, das alfaces e das frutas, expostos em caixotes arrumados à porta de uma mercearia.
Era um festival de cores e de vida!
Tão excitado se encontrava o Balão Vermelho que nem deu pelo chegar a casa e o ser arremessado para dentro de um saco de plástico, em cima de uma cadeira.
Com o coração a bater depressa, aí se deixou ficar, saboreando a maravilhosa sensação de liberdade que o invadia.

Uma noite se passou - a da grande expectativa!
O Francisco, claro, sentia enorme ansiedade em relação ao seu aniversário, aos presentes e à festa com os primos e os amigos, que já imaginava a rir e a correr, felizes, pela casa fora. Para os pais do Francisco havia o cuidado em bem receber os convidados no seu lar, que queriam o mais acolhedor possível. E, quanto ao Balão Vermelho, inundava-o a embriaguês do renascer e o sentir que um destino maior o convidava, de longe, do horizonte.
Mas, continuando a nossa história, será aconselhável passarmos imediatamente ao reboliço da festa de aniversário do Francisco.
Como é costume nestas ocasiões, em cima dos aparadores havia jarras com cravos vermelhos e gipsófilas. Na mesa fora estendida uma toalha branca e, sobre ela, espalhados copos e pratos coloridos, palhinhas riscadas, guardanapos cobertos de desenhos, batatas fritas, pipocas doces, salsichas e gelatinas de diversos sabores.

E havia os convidados, naturalmente. Traziam fatos novos e presentes de vários tamanhos - surpresa! - embrulhados em papéis brilhantes e enfeitados com belas fitas e laços.
As meninas, usando vestidos rodados e aos folhos, e os rapazes, de calções e vinco a preceito, todos com o cabelo cuidadosamente penteado - primeiro, tímidos, depois, ousados - corriam por entre os adultos, bem dispostos, perseguindo carros, bolas e balões, os balões redondos, de borracha e pequenos.Deu-se aqui um acaso misterioso. Acompanhando as gargalhadas das crianças, pelo ar esvoaçavam balões amarelos, verdes, rosados e azuis. Porém, o Balão Vermelho ficara esquecido dentro do saco de plástico.
Ansioso, espreitando do seu canto, o Balão não compreendia por que razão todos os seus irmãos bailavam de mão em mão, enquanto ele se via ignorado, abandonado... Sentia-se confuso e triste, mas tentava consolar-se, murmurando:
- Já falta pouco! Já falta pouco!
-Falta pouco para quê, Balão Vermelho? Nem ele o sabia. Contudo, de olhar atento, absorvia o alvoroço em redor, ciente de que o seu momento não tardaria. Avistou as crianças, no quarto do aniversariante, entusiasmadas com os brinquedos e os jogos. Depois, conseguiu ouvir o silêncio que antecedeu o cantar do Parabéns a Você, na sala de jantar. Adivinhou o soprar das velas, o cortar do bolo, e apercebeu-se da despedida de cada convidado, com a entrega de um saquinho de guloseimas, acompanhada de agradecimentos efusivos pela festa tão divertida.
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O dia, que a família vivera com tanta alegria, chegara ao fim. Deitado o Francisco entre lençóis de flanela, aninhado em sonhos risonhos, pela casa restavam apenas pedaços de papel de embrulho e farrapos de balões rebentados no calor da brincadeira.
O Balão Vermelho encostou-se bem ao fundo do saco, suspirou, desanimado, e adormeceu. E, assim, outra noite se passou.
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Na manhã seguinte, o Balão Vermelho ficou abismado quando a persiana foi levantada. À luz do sol, o quarto assemelhava-se a um campo de batalha. Por todo o lado havia brinquedos. Bonecos, carros, bolas e jogos electrónicos espalhavam-se descuidadamente pelo chão e pelos móveis. Dos balões, nenhum restava inteiro.
Com os olhos ainda ensonados, os passos leves, os pés calçados em meias de lã, o Francisco começou a percorrer o quarto, atento, em busca de novidades.
Foi então que encontrou o saco de plástico com o pacote de papel, num canto da cadeira. Investigou o seu interior e de lá retirou, eufórico, o Balão Vermelho. Uma onda de alegria inundou o rosto do menino.
- Olha o Balão Vermelho! Então, maroto, como é que ontem conseguiste escapar? Deixa lá que já te vou encher!
- Enche, enche depressa! - pensou o Balão, radiante.
Mas os pais do Francisco não se mostraram de acordo, e foram bem claros:
- Agora, que és mais velho, precisas de assumir as tuas responsabilidades. Arruma primeiro o quarto, para depois poderes ir brincar. Estamos a pensar dar um passeio no parque para assistirmos à passagem dos balões. O que te parece?
- Ótima ideia! - aprovou o Francisco.
Sobressaltado, o Balão Vermelho quase gritou:
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- Balões? Balões?! Também quero ir!
Num ápice, o Francisco arrumou os jogos no armário, os livros na estante, os carros na garagem e os bonecos nos seus respectivos lugares.
Mais tarde, lavado, vestido e com o pequeno-almoço tomado, o jovem Francisco pegou no seu Balão Vermelho, encheu-o, e, orgulhoso pelo trabalho bem feito, acompanhou os pais até ao parque.
Na verdade, estava uma manhã linda, com o céu muito azul e o sol a brilhar. Exactamente daquelas manhãs em que aos meninos salta o pé para a brincadeira, ao mesmo tempo que uma vozinha afoita lhes segreda ao ouvido: “Vem, vem correr na relva. Estão todos à tua espera para jogar à apanhada!”.
O parque encontrava-se cheio de gente naquela manhã de Domingo. Na televisão haviam anunciado a passagem dos balões de ar quente provenientes de um Festival organizado numa cidade vizinha. E tinham mesmo aconselhado a população a deslocar-se ao parque, onde, melhor que em qualquer outro local, poderia ser observado o espectáculo sem que os edifícos altos ou outras construções impedissem a visibilidade.
O Francisco estava muito entusiasmado e não parava de pular e correr, agitando no ar o Balão Vermelho, que partilhava da alegria do rapaz.
Por momentos, o Balão chegava mesmo a libertar-se dos dedos do menino, e então sentia-se erguer, leve como uma pena, inebriado com a aragem que o fazia balançar, planar um pouco, e finalmente o restituía às mãos expectantes do seu dono.
De repente, um grito ecoou pela multidão que, num só gesto, ergueu o seu olhar para o horizonte.
.- Hei-los! Vêm aí os balões!
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Realmente, avistavam-se já algumas longínquas figuras coloridas de contornos mal definidos.
Inicialmente esbatidos, contra o azul do céu os balões de ar quente iam ganhando forma e cor à medida que se aproximavam empurrados pelo vento. As suas cúpulas vermelhas, azuis, amarelas e verdes, redondas e luminosas, aumentavam gradualmente de tamanho e fascínio.
Enquanto distantes, assemelhavam-se a brinquedos antigos, representados nalguma estampa de fim de século, mas ao perto transformavam-se em espantosas naves, enormes e arrojadas, transportando, nas suas barquinhas, destemidos aventureiros.
A liderar o desfile, um majestoso balão aos gomos cor-de-laranja, verdes e amarelos, ganhava velocidade. Logo à esquerda se aproximava outro, branco, radioso, com desenhos roxos e vermelhos. Já da barquinha de um terceiro, em tons de azul, uma silhueta humana acenava animadamente, a cabeça debruçada, os braços abertos, no ar.
E de cá de baixo, do meio da multidão, o Francisco e o Balão Vermelho exultavam:
- Eu quero ser balonista! - exclamava o rapaz, eufórico. - Quero viajar num balão e dar a volta ao mundo.
O pai sorriu.
- Sim, isso é possível, quando cresceres. E olha que há um português cujo nome está ligado à invenção dos balões, dos aeróstatos: Bartolomeu de Gusmão...
O filho agitou-se ainda mais e repetiu, atirando o Balão Vermelho ao ar:
- Sim, quero ser balonista... quando crescer!
- E eu quero ser balão... agora! - gritou o Balão Vermelho, aproveitando o impulso e ganhando altura.
Acabara de perceber por que motivo não participara na festa de aniversário do dia anterior. Compreendia também por que razão fora poupado, contrariamente ao que acontecera com os seus irmãos, tão rapidamente desaparecidos. Ele era diferente, porque um destino maior lhe estava reservado: na companhia destes seres grandiosos, daria a volta ao mundo, sobrevoaria cidades, vilas, aldeias, bosques e montanhas, mares, rios e desertos!
Uma rajada de vento fê-lo subir uma dezena de metros e, de cima, baixou o olhar para o parque, onde o Francisco estendia os braços à espera de o receber.
- Adeus, Francisco! - murmurou o Balão, enternecido - Gostei muito de te conhecer. Mas, agora, sigo o meu destino.
Voltou-se para cima e corou de entusiasmo e pura felicidade. Quanto mais feliz se sentia, mais subia e se aproximava dos outros balões.
- É engraçado! - pensou ele, observando os seus companheiros de viagem. - Os meus irmãos levam um chama gigantesca que aquece o ar e os faz elevarem-se até às nuvens. Mas, a mim, o que me faz voar é a felicidade!
Perante tal descoberta, deu uma gargalhada que o empurrou para grande altitude, como se levasse um foguete no rabo.
Sem parar de rir, aproximou-se de um balão colorido como um carrossel e piscou-lhe o olho. Seguidamente, chegou-se a outro, vermelho às pintas pretas, parecido com um gigantesco morango, e comentou, amavelmente:
- Hoje está um belo dia para viajar!
Mas o balão não disse nada, afastando-se.
O Balão Vermelho passeou por entre os balões imponentes, sem conseguir que lhe falassem. Eram perto de vinte balões de ar quente, mas seguia cada qual a um nível diferente, e não trocavam palavras entre si.
Finalmente, o nosso amigo alcançou o balão da frente, o dos gomos cor-de-laranja, verdes e amarelos, que parecia ser o líder e que de imediato se lhe dirigiu:
- Sou o comandante Citrino, e vejo que o meu pequeno amigo é muito falador - começou ele, numa voz que impunha respeito. - Ora isso não é bom para quem tem uma viagem tão longa para fazer como aquela em que nos encontramos. A conversa esgota-nos as energias e distrai-nos.
- Mas então esta viagem não é um passeio? - perguntou o Balão Vermelho, surpreendido.
- Evidentemente que não! - respondeu o comandante, com firmeza. - Vamos em missão, meu rapaz. Cada um de nós transporta, na sua barca, pessoas que nos confiaram as suas vidas, e é nossa tarefa levá-las sãs e salvas ao seu destino. O que não é nada fácil, devo dizer-te.O Balão Vermelho ficou tão espantado que perdeu um pouco de altitude e teve de fazer um esforço para acompanhar o Citrino.
- Não é mesmo nada fácil - continuou o comandante. - Temos de estar atentos aos ventos e ao peso do ar... Enfim, precisamos de muita disciplina, concentração e esforço para bem executarmos o trabalho que nos foi confiado e para não desiludirmos os nossos valorosos tripulantes.
- Sim, realmente é preciso coragem para voar pelos céus! - concordou o Balão Vermelho, logo acrescentando - E a vossa tarefa parece-me extremamente complicada... - Claro que o teu caso é completamente diferente - interrompeu o Citrino. - Não tens ninguém para transportar, nem trazes ar quente no teu interior. Afinal, o que é que te faz voar?
- A felicidade - respondeu o Balão Vermelho, quase sem pensar.
- A felicidade?! Trazes felicidade no teu interior e, assim, elevas-te no ar? É certo?
- Sim, é isso mesmo que acontece - confirmou o Balão Vermelho, risonho.
- E a tua missão é...?
O Citrino ficou à espera que o Balão terminasse a frase, mas este permaneceu calado. Foi ainda o comandante que concluíu, com o ar decidido de quem dá a conversa por encerrada:
- Bom, já percebi que o que te faz voar é a felicidade. Sim, senhor! Então, se me dás licença vou dedicar-me a uma manobra delicada, porque se aproximam ventos de sudoeste. Boa sorte!
Como anunciara, o Citrino inclinou-se majestosamente e mudou de rumo, no que foi seguido por todos os demais balões de ar quente.
O Balão Vermelho sentiu-se só pela primeira vez desde que subira ao céu. Desceu um pouco e baixou o olhar, procurando o Francisco. Contudo, o menino já não se avistava, nem o parque, nem mesmo a cidade.
O diálogo com o Citrino distraíra o Balão Vermelho ao ponto de este não mais saber onde se encontrava, e isso deixava-o um pouco ansioso. Por outro lado, as palavras do enorme balão de ar quente sobre a sua missão, e a resposta que ele próprio tão espontaneamente lhe dera, intrigavam-no. Sentia-se confuso, exactamente como às vezes nos acontece: estamos convictos de que arquitectámos uma ideia simplesmente brilhante, mas não conseguimos explicá-la; sabemos que uma palavra nos está debaixo da língua, pronta para a dizermos, e no entanto foge-nos no preciso momento em que desejamos pronunciá-la...
Pois o Balão Vermelho, embora soubesse que o seu destino não estava ligado ao dos balões de ar quente, e sentisse a imperatividade da missão que lhe cabia, não conseguia ainda precisar a sua natureza. Chegou a fazê-lo sorrir a ideia de que pudera julgar-se igual àqueles matulões gorduchos que agora se afastavam a toda a velocidade em direcção às montanhas! Não, ele era realmente diferente: não o movia o ar quente, mas sim a felicidade - como tão prontamente informara o decidido Citrino - e a sua missão consistia em... em... qualquer coisa que o Balão sabia esconder-se no seu coração, mas que tinha dificuldade em expressar...
Entregue a tais pensamentos, o Balão foi-se deixando levar pelo vento. Sentia-lhe a carícia suave e entregava-se-lhe confiadamente.
E assim foi voando, e descendo, notando a aproximação das estradas, dos prédios e das árvores. Sobrevoou um campo inculto e sujo, alguns caminhos poeirentos e um conjunto de construções baixas e escuras, que compreendeu serem barracas.
Pairando sempre, observou várias pessoas, de aspecto pobre, que se reuniam junto à porta de uma das casas, e notou um vulto franzino e ágil que se afastava do grupo e que erguia para o céu um olhar de espanto e de esperança.
O Balão Vermelho fixou a sua atenção naqueles olhos grandes, castanhos, profundos. E deixou-se cair. E, à medida que caía, nascia um sorriso no olhar límpido que o atraía. Era um sorriso que se espraiava pelos lábios e pelas faces da criança, iluminando-lhe todo o rosto e inundando também de um brilho especial o corpinho magro de pés descalços e o vestidinho verde, desbotado, que o cobria.
A menina, que se chamava Célia, estendeu os dois braços, festivos, no impulso de uma pequena gargalhada. E o Balão Vermelho, com ternura, pousou suavemente nas mãozinhas doces, erguidas para o receber.
Nesse exacto momento, o Balão Vermelho sentiu que chegara ao seu destino e soube qual era a sua missão!
Pouco depois, voando, saltando, deslizando por entre as crianças da rua, dançando ao som dos seus risos e falas, rodopiando sobre a poeira, como um sol magnífico, irradiava sobre todos uma imensa Felicidade.

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